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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Mais um texto do curso

Mais um texto do curso de Comunicação Escrita. A ideia reciclei de um roteiro que escreveria para um curta, mas acabei não fazendo.

Perseguindo Sonhos
J.C.Cartolano

Por detrás óculos escuros observava fixamente com olhos negros, escondidos do sol do meio dia. O ritmo de sua passada era intenso, mais rápido que os carros presos no trânsito daquela avenida movimentada. O coração batia freneticamente, prestes a explodir em milhares de pedaços. As gotículas de suor despencavam por seu rosto fino tão rapidamente quanto gotas em uma tempestade. De seus fones de ouvido ressoava um riff de guitarra enérgico, poderoso. O vocalista cantava letras de amor em uma língua estrangeira. A bateria e o baixo acompanhavam, não menos animadamente, completando a complexa textura da música.

A motivação de dar asas aos tênis Adidas puídos estava bem à sua frente: loira, alta, esbelta – do tipo que deixa qualquer homem em estado de transe, como se nada mais houvesse no mundo. E causara este efeito nele. Precisava alcançá-la a qualquer custo, mesmo que atravessasse a cidade inteira...

Ele a perseguia desde o ponto de ônibus situado bem em frente a seu cursinho, enquanto esperava sua condução. Nada no mundo tirava sua concentração durante suas viagens musicais; nada, exceto ela. A jovem passava bem diante de seus olhos, ao mesmo tempo em que chegava seu “Lapa-H”. Por uma fração de segundo estava erguendo o braço para dar sinal ao motorista, mas a garota esbarrou levemente em sua mão estendida. Foi o suficiente para prestar atenção nela, enfeitiçar-se e o foco de sua vida passar a mostrar que existia.

Ela atravessava a faixa de pedestres e já estava do outro lado da avenida quando ele iniciara sua perseguição. A princípio vagaroso, seus pés passaram a acelerar assim que o semáforo de pedestres passou a mudar de verde ao vermelho. A garota já virava à esquerda e estava atravessando outra rua. Seus passos apertaram. Chegava à mesma rua, porém o sinal abriu e os carros já disparavam na pressa de seus afazeres. Desespero, irritação e ansiedade o deixaram irrequieto mais pelo fato de ela adentrar um parque e sumir de sua vista do que a espera para dar seguimento à sua missão.

Assim que o vermelho apareceu para os carros, ele lançou-se novamente em disparada.

O parque destoava dos seus arredores - um santuário em meio ao concreto. As copas das árvores escondiam a luz solar, banhando o solo de sombras. A temperatura amena não o ajudou a sentir-se refrescado, muito menos calmo. Onde estava a garota? Àquela hora havia bastante gente passeando, sentada nos bancos de pedra ou de pé papeando. Mas nenhuma era a garota. E o pior, o caminho se bifurcava: um seguia para a direita, descendo com o terreno; o outro, à esquerda, já levava a outra saída para a avenida. Para onde ir? Pensava ele, cada vez mais incerto, perscrutando todas as possibilidades, pessoas, rostos... Ali!

Caminhando tranquilamente, a moça seguia rumo pelo coração do parque, passando por um a bica seca com cara de leão. E mais uma vez ele disparou. Agora, sem semáforos, carros, nem trânsito nenhum, estava com liberdade e completo desimpedimento para alcançá-la. Entretanto, havia um porém: o que diria àquela deusa? Como ele mesmo sabia, não era alguém espontâneo. Precisaria de uma inspiração divina, de algum sinal, de um espírito benigno que o incorporasse (ou mesmo de um maligno, com muita lábia)...

O pavor aumentava exponencialmente, assim como o suor do esforço de alguém acostumado a exercícios diários de internet. Corria em seu limite. Suor. Passos acelerados. Mais suor. Passos no limite. Garota cada vez mais próxima. Mais suor ainda. Dores musculares. Água! Precisava de água. Falta de ar. Suor encharcando camiseta. Passos desacelerando. Garota se distanciando... Sonho se esvaindo... Esperança acabando... Garota saindo do parque... Anel... Anel?!

Bem por onde a garota acabara de passar, havia um anel caído. Um dos poucos raios de sol que escaparam do abraço das copas das árvores iluminou o anel prateado e seu brilho trouxe os olhos dele ao objeto. Um sinal divino! exclamou ele, estupefato. Então foi tomado por uma inspiração divina, como bem queria. Sabia como agir, o que falar.

Inspirando longamente, preparou-se para mais um sprint – o derradeiro sprint. Tirou forças do fundo de seu ser, que nem sabia que existia. Escolheu uma música em seu I-Pod, a mais empolgante que tinha em seus arquivos. Partiu. Mas novamente a garota já estava fora de sua visão. O que ele havia feito para merecer aquela provação? Olhou o anel em sua mão e o apertou firmemente, buscando por mais forças que seu corpo talvez tivesse escondido em algum canto obscuro. Suor. Passos acelerados...

Quando finalmente deixou o parque, sentindo o contraste do calor e da luz ofuscante, ali estava ela na esquina, olhando para todos os lados como que à procura de algo ou alguém. E ele sabia o que era.

Começou a desacelerar o passo. Esfregava compulsivamente o rosto suado usando a manga de sua camiseta, como se fosse o suficiente para enxugá-lo e tirar a cor rubra que o tomava. Endireitou a mochila nas costas. Até desligou seu I-Pod e retirou os fones dos ouvidos. Inspirou e expirou. Inspirou e expirou. Inspirou e expirou. E foi de encontro a seu destino.

A garota continuava a procurar algo, quando ele se aproximou. Assim que encontrou os seus olhos, uma chama acendeu-se em seu peito.

- Sim? – ela perguntou, examinando-o de cima a baixo, com cara de desdém.

Inspirou e expirou novamente, estendeu sua mão.

- Este anel é seu? – perguntou, confiante e esperançoso.

Ela observou seriamente o anel prateado.

- Não. - respondeu simplesmente, numa voz séria. Virou o rosto e continuou a procurar o que quer fosse. Pareceu achar e atravessou a rua, deixando-o para trás.

O seu mundo caiu, suas esperanças ruíram, o fogo foi se esvaindo, sumindo, tudo escurecendo e...

E quando deu por si estava dando o sinal para pegar sua condução. O fone de ouvido estava em suas mãos. Colocou-os. Então apertou play em seu I-Pod e adentrou o ônibus, observando através da janela a garota andando pela calçada.

...fim...

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